https://youtu.be/ADlxUMAlY14
PRIMEIRA IGREJA BATISTA DO ESTÁCIO - RJ
sábado, 1 de junho de 2019
A CASA DE TIA
DONANA
Eu me lembro muito bem
daquele casarão da Rua Seridó, casa dividida ao meio por
uma parede com portas e janelas internas que se abriam de um cômodo para
outro. O casarão tinha um total de nove janelas, internas e externas, e cada janela
do tamanho de uma porta dos dias de hoje, tinha quatro dobradiças do tamanho da
mão de um homem e os ferrolhos eram enormes. As paredes dos tempos antigos não
alcançavam o teto, que era sustentado por uma forte estrutura de madeira
erguida sobre elas para sustentar o telhado. A casa era de Tia Donana, minha
tia avó, mulher de boa cepa como se falava no passado, forte e severa apesar de
seu tipo frágil, franzina, muito branca e com lindos olhos azuis. Não conheci os seus cabelos louros, que naquele
tempo já eram completamente brancos, presos numa redinha fina que ela jamais tirava da cabeça.
Era surda mas seus olhos enxergavam bem e eu nunca a vi usando óculos. Era
decidida, sozinha pegava um navio do Loyd Brasileiro e viajava pro Rio de
Janeiro pra passar um tempo na casa de um dos filhos e meses depois voltava
sozinha.
Seu coração era
grandioso; naquele casarão ela sempre acolheu parentes em situação difícil como
a viúva de um sobrinho junto com os filhos, uma sobrinha solteirona com poucos recursos,
inclusive por algum tempo toda a minha família, quando meu pai adoeceu e não
pode trabalhar.
De vez em quando ela
curtia um charuto sentada em um tamburete, num terraço ao lado da casa. Ali ficava por um longo tempo olhando
a esmo perdida em seus pensamentos, talvez relembrando um passado distante, com
certeza bem melhor que o de agora. Devia sentir saudades do tempo em que tinha
marido economicamente bem de vida e quatro filhos, cujos nomes, em todos havia
a terminação mar. Agora tudo era bem diferente e talvez por tudo isso algumas
vezes eu a vi com os olhos vermelhos e o rosto molhado de lágrimas enquanto
fumava o seu charuto. Então eu fingia não ter visto e me afastava discretamente,
com o coração apertado e constrangida por ter mesmo sem querer, invadido a sua
privacidade. No entanto, logo mais ela estava lá pela cozinha fazendo qualquer
coisa, como uma gostosa sopinha de feijão manteiga para o jantar do único filho
que lhe restava ao seu lado já aos quarenta anos, justamente por ter problemas
psiquiátricos. Na sua pequena mesa ela jamais deixou de ter uma garrafinha de
Molho Saucer, um tipo de molho inglês que ela usava em suas sopas, carnes e
saladas, do qual, confesso, de vez em quando eu surrupiava algumas gotinhas.
Eu sempre começo a escrever
sem saber por que e hoje não foi diferente. Depois de um belo tombo há alguns
dias e ainda com as costelas doloridas e as costas roxas, remexendo numa caixa
de remédios achei uma garrafinha branca onde estava escrito Maravilha Curativa
do Doutor Hunfreys. Bom, até aqui nada do que usei tinha aliviado as minhas
dores, por isso inventei de usar a tal agüinha incolor que havia na garrafinha.
Vai que serve, pensei. Poxa, há quanto tempo... Em casa ninguém deu crédito mas
eu continuo a usar. Hoje eu acordei às seis horas; ventava muito aqui em
Mangaratiba, aonde eu costumo descansar e escrever algumas mal traçadas linhas. O quarto ainda estava na penumbra e eu ainda
sonolenta avistei a bendita garrafinha branca em cima da mesinha com o nome em
destaque: Dr. Hunfreys! Foi aí que me lembrei da minha falecida tia Donana. Era
assim que no passado se chamava as senhoras e senhoritas cujo nome era Ana, que
de Dona Ana, para imprimir mais respeito
passou à Donana, que para dar mais respeito ainda, findou em Dona Donana!
Então, esse remédio
maravilhoso era a cara da tia Donana, o qual nunca deixou de ter uns dois
frascos em sua pequena farmácia caseira e outros do como Bálsamo Bengué e Sabão
Aristolino e Sanarina para gargarejo. Ah, e as Pílulas de Vida do Doutor Ross
que ela tomava religiosamente, sempre cantarolando Pílulas de vida do doutor
Ross, Fazem bem ao fígado de todos nós.
É com as pequenas
lembranças que guardamos do passado que algum dia poderemos construir a nossa
história, e na minha história eu hoje acrescento esta página repleta de
recordações que seriam somente minhas, mas que hoje eu divido com você.
Junia - 2019
Junia - 2019
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