sábado, 1 de junho de 2019

HINO: CASTELO FIRTE É NOSSO DEUS

https://youtu.be/ADlxUMAlY14
PRIMEIRA IGREJA BATISTA DO ESTÁCIO - RJ

CORAL TABERNÁCULO - CATEDRAL METODISTA DO RIO DE JANEIRO



ELA COM CINCO ANOS E COM...MAIS DE CINCO!




CONFRATERNIZANDO


JUNIA


Meu inesquecível gatinho Bill Cats.
Música: Sou feliz com Jesus

Nosso rosto reflete o nosso momento






A CASA DE TIA DONANA   
                                                 
Eu me lembro muito bem daquele casarão da Rua Seridó, casa dividida ao meio  por  uma parede com portas e janelas internas que se abriam de um cômodo para outro. O casarão tinha um total de nove janelas, internas e externas, e cada janela do tamanho de uma porta dos dias de hoje, tinha quatro dobradiças do tamanho da mão de um homem e os ferrolhos eram enormes. As paredes dos tempos antigos não alcançavam o teto, que era sustentado por uma forte estrutura de madeira erguida sobre elas para sustentar o telhado. A casa era de Tia Donana, minha tia avó, mulher de boa cepa como se falava no passado, forte e severa apesar de seu tipo frágil, franzina, muito branca e com lindos olhos azuis. Não  conheci os seus cabelos louros, que naquele tempo já eram completamente brancos, presos numa  redinha fina que ela jamais tirava da cabeça. Era surda mas seus olhos enxergavam bem e eu nunca a vi usando óculos. Era decidida, sozinha pegava um navio do Loyd Brasileiro e viajava pro Rio de Janeiro pra passar um tempo na casa de um dos filhos e meses depois voltava sozinha.
Seu coração era grandioso; naquele casarão ela sempre acolheu parentes em situação difícil como a viúva de um sobrinho junto com os filhos, uma sobrinha solteirona com poucos recursos, inclusive por algum tempo toda a minha família, quando meu pai adoeceu e não pode trabalhar.
De vez em quando ela curtia um charuto sentada em um tamburete, num terraço ao lado  da casa. Ali ficava por um longo tempo olhando a esmo perdida em seus pensamentos,  talvez relembrando um passado distante, com certeza bem melhor que o de agora. Devia sentir saudades do tempo em que tinha marido economicamente bem de vida e quatro filhos, cujos nomes, em todos havia a terminação mar. Agora tudo era bem diferente e talvez por tudo isso algumas vezes eu a vi com os olhos vermelhos e o rosto molhado de lágrimas enquanto fumava o seu charuto. Então eu fingia não ter visto e me afastava discretamente, com o coração apertado e constrangida por ter mesmo sem querer, invadido a sua privacidade. No entanto, logo mais ela estava lá pela cozinha fazendo qualquer coisa, como uma gostosa sopinha de feijão manteiga para o jantar do único filho que lhe restava ao seu lado já aos quarenta anos, justamente por ter problemas psiquiátricos. Na sua pequena mesa ela jamais deixou de ter uma garrafinha de Molho Saucer, um tipo de molho inglês que ela usava em suas sopas, carnes e saladas, do qual, confesso, de vez em quando eu surrupiava algumas gotinhas.
Eu sempre começo a escrever sem saber por que e hoje não foi diferente. Depois de um belo tombo há alguns dias e ainda com as costelas doloridas e as costas roxas, remexendo numa caixa de remédios achei uma garrafinha branca onde estava escrito Maravilha Curativa do Doutor Hunfreys. Bom, até aqui nada do que usei tinha aliviado as minhas dores, por isso inventei de usar a tal agüinha incolor que havia na garrafinha. Vai que serve, pensei. Poxa, há quanto tempo... Em casa ninguém deu crédito mas eu continuo a usar. Hoje eu acordei às seis horas; ventava muito aqui em Mangaratiba, aonde eu costumo descansar e escrever algumas mal traçadas linhas. O quarto ainda estava na penumbra e eu ainda sonolenta avistei a bendita garrafinha branca em cima da mesinha com o nome em destaque: Dr. Hunfreys! Foi aí que me lembrei da minha falecida tia Donana. Era assim que no passado se chamava as senhoras e senhoritas cujo nome era Ana, que de Dona Ana,  para imprimir mais respeito passou à Donana, que para dar mais respeito ainda, findou em Dona Donana!
Então, esse remédio maravilhoso era a cara da tia Donana, o qual nunca deixou de ter uns dois frascos em sua pequena farmácia caseira e outros do como Bálsamo Bengué e Sabão Aristolino e Sanarina para gargarejo. Ah, e as Pílulas de Vida do Doutor Ross que ela tomava religiosamente, sempre cantarolando Pílulas de vida do doutor Ross, Fazem bem ao fígado de todos nós.
É com as pequenas lembranças que guardamos do passado que algum dia poderemos construir a nossa história, e na minha história eu hoje acrescento esta página repleta de recordações que seriam somente minhas, mas que hoje eu divido com você.

Junia - 2019



sexta-feira, 31 de maio de 2019

OS MEUS QUERIDOS BICHINHOS

O NOME DELE ERA "SEU" XANDICO



Seu Xandico

22 de outubro de 2007. Lá está ele dormindo na nossa cama com a maior intimidade, como um filhinho que de vez em quando adormece na cama dos pais. E é assim que ele se sente mesmo, como um filhinho nosso. E tenho certeza de que se eu pudesse ler os seus pensamentos, poderia mesmo confirmar que essa é uma grande verdade para ele, que nesses vinte e dois anos de convivência aprendeu a nos amar como nós o amamos também e a depender completamente de nós. É um amigo sincero, que sente a nossa falta quando demoramos a voltar pra casa e enquanto não chegamos ele não pára de andar de um lado pra outro, cheio de ansiedade, principalmente em relação ao seu dono, a quem se apegou como se realmente fosse o pai dele.
Agora a sua idade equivale, em idade humana, a mais de noventa anos. Magrinho, fraco e com o pelinho ralo e desbotado, com seus olhinhos vesgos, antes de um lindo azul brilhante e agora embotados pelo tempo e pela catarata que o impede de enxergar bem, costuma perambular a esmo pela casa com um andarzinho banzeiro, trambecando das perninhas magras, com um olhar perdido como se não estivesse reconhecendo os lugares onde sempre viveu. Às vezes põe-se a miar alto e grosso até mesmo durante a noite, como se estivesse a procura de alguma coisa que ninguém pode saber o que é, e talvez nem ele mesmo saiba o quê. Então ele vai até o seu pratinho no chão, come um pouco, depois procura um dos seus lugares preferidos e volta a adormecer. E sonha. Os movimentos repentinos de suas frágeis patinhas denotam que sua mente está revivendo, quem sabe, momentos de seu passado distante, quando elas realmente faziam jus a reconhecida agilidade dos gatos, quando pulavam janelas e muros, subiam correndo as escadarias do prédio e foram capazes de incontáveis peripécias e fugas espetaculares, se escondendo em apartamentos vizinhos ou desaparecendo sobre o teto da garagem do prédio numa noite de chuva. 

Pertence a raça siamesa, e no vigor da sua juventude as cores marrons claro e escuro da sua pelagem eram de fazer inveja a qualquer outro bichano que aparecesse nos corredores do edifício Simon Bolívar, onde ele veio residir no apartamento 304, precisamente no dia doze de outubro de 1986, com dois meses de idade, oferecido como presente no Dia da Criança à nossa filha Tatiana. 
A sua história é bastante longa e recheada de episódios pitorescos durante esses longos anos, que até dariam um livro. Tem de tudo, começando pelo dia em que já bastante forte e bom de briga ele atracou-se com outro bichano do condomínio e o seu “pai”, que naquele tempo ainda não era assim considerado, e que também não ia nem um pouco com o focinho dele, tentando apartar a briga levou tremendas mordidas no braço esquerdo e na mão. A raiva foi tamanha que ele tentou, embora inutilmente, dar-lhe uma boa surra. Foi um verdadeiro pandemônio na cozinha de manhã cedo, com gente chorando e tudo, implorando pra que ele não castigasse o gato. Deu barraco mesmo. Mas o bichinho era tão danado que ao ver as coisas ficarem pretas pro seu lado, lançou mão dos recursos que a natureza lhe conferiu e, agindo rápido como um gato que se preza se escondeu embaixo da geladeira, que empurrada pra lá e empurrada pra cá pra puxa-lo debaixo pelo rabo, veio parar no meio da cozinha, mas ninguém conseguiu tira-lo de lá. E graças a habilidade do resto da família, o dono do gato foi acalmado e levado para sala, onde recebeu os cuidados necessários. E pelo resto do dia pouco se viu mais o felino, que ressabiado tratou de se esconder muito bem. 

E agora, quem vai poder explicar o porque da transformação que se seguiu? Não há quem saiba. Daí por diante, apesar dos pesares, os dois, o dono e o gato, se tornaram amigos, ou melhor, até pareciam pai e filho. De tal forma que quilos e mais quilos de sardinha fresca passaram a entulhar o congelador da geladeira e logo depois, caixas e mais caixas de latinhas de Wiskas de sabores variados ao gosto do freguês passaram a ser empilhadas nos armários e soleiras das janelas da área de serviço, e o gato gordo e luzidio até passou a ter ficha completa com endereço fixo, número de telefone e tudo em clínica veterinária da zona sul do Rio de Janeiro. Tudo pago pelo dono. E passou também a ser elogiado por sua valentia e macheza, apesar de seu proprietário ter mandado castra-lo, por motivos de conveniência ou, quem sabe, para evitar inconveniências. No entanto, desconfio que até hoje o pobre animalzinho tem essa mágoa atravessada na goela, mas conformou-se: fazer o quê? O que foi feito, feito foi.... Entretanto ainda andou circulando pelos corredores do prédio um boato de que um siamêsinho bastardo que nasceu na garagem e que a mãe abandonou, só poderia ser filho dele, já que por ali não havia outro gato daquela raça a não ser o do apartamento 304, afirmava categoricamente um porteiro que encontrou o recém nascido. Nesse caso, se o porteiro tiver razão, o dito cujo gato era tão macho mesmo que ainda foi pai, mesmo depois de castrado. 

Não tinha medo de estranhos e nunca se escondeu embaixo de cama com medo de foguetão. Tirava de letra a gritaria e os estouros dos fogos na rua durante os jogos da Copa do Mundo, olhando para a janela como se estivesse entendendo alguma coisa. Entendendo ou não do assunto, o fato é que sempre assistiu na sala, no meio da galera animada, os jogos de cinco Copas, recorde batido por muito poucos espécimes da família dos felídeos. Até nas noites de 31 de dezembro, enquanto à meia noite os outros gatos se enfiavam dentro dos armários, apavorados com os estouros das bombas, ele permanecia tranquilo, apenas olhando para a janela da rua, como sempre aconteceu durante as vinte e duas noites de ano novo que viveu e até mesmo comemorou, saboreando suculentos pedaços de peru ou chester que lhe eram oferecidos. 
Agora ele não viverá mais por muito tempo entre nós. E não seria justo que depois de tantos anos enchendo de alegria a nossa casa, mesmo tendo sido responsável por quebra de abajur, relógios e ventiladores, por ter derrubado árvore de natal e se embrenhado entre as lâmpadas acesas, quase causado um curto circuito, tendo ficado dependurado no secador de roupas quando tentava fugir, mesmo tendo a audácia de saltar pela janela e caído em cima da cabeça do coronel, nosso vizinho que estava dormindo no sofá da sala e acordou apavorado, por tudo isso e muito mais, não seria justo ele não receber uma homenagem das pessoas a quem ele tanto trouxe momentos de alegria. 
Depois que ele partir, com certeza a casa nunca mais será a mesma. Nela estará sempre faltando o velho gatinho que quase só tinha o coro e os ossos, mas era tão danado que sempre tentava subir nos móveis e às vezes escorregava, por falta de força nas perninhas trôpegas. Serão muitas as lembranças e a saudade que ele vai deixar em nossos corações, quando de sua passagem por este mundo. Por isso esta crônica está sendo escrita agora, pois ele é muitíssimo sensível e inteligente para entender a nossa linguagem. Nós sabemos que ele compreende o que estamos dizendo. Não importa o que os outros pensem de nós, o que digam e o que falem... Ele está ali na minha frente e sabe que estou escrevendo sobre ele, e ele merece esta homenagem. 

Dois meses depois...


Sua última noite de reveillon ele passou deitadinho na nossa cama, como sempre estava vivendo. Sem mais nenhum entusiasmo, de vez em quando levantava a cabecinha e olhava esmo para a janela da rua, de onde vinha o som dos estouros dos fogos, que ele ouviu pela última vez. Em seguida, mergulhou em seu profundo sono. 
Era o quinto dia do ano de 2008 e ele quase não conseguia mais se alimentar nem beber água. A fraqueza o dominava e o seu estado nos causava muita tristeza. A veterinária fora realista diante do quadro de seu paciente que, devido a idade muito avançada, por ele nada mais poderia ser feito. 
Decidimos então autorizar a médica a sacrificá-lo, já que anestesiado ele deixaria a vida sem nenhum sofrimento. Com muito pesar levei-o à clínica em meus braços, enroladinho numa toalha macia como se ele fosse um bebê, a fim de que tudo terminasse logo. Mas ao vê-lo estirar um bracinho para fora da toalha e passar a patinha no meu queixo, olhando-me com aqueles olhinhos embotados e tristes, como se estivesse me pedindo para não fazer isso... ah, Deus! Eu não tive coragem de entrega-lo ao sacrifício. Trouxe-o de volta para a sua casa que ele tanto amava e onde sempre viveu, para que dela ele partisse em paz sabe-se lá para onde na eternidade, ou mesmo para lugar nenhum. 
Ele sempre foi surpreendente, e não deixou de ser diferente ao chegar em casa naquela tarde, pois para espanto de todos, comeu fígado cru picadinho e bebeu água durante mais dois dias e dormiu bastante! A partir daí a sua longa vida entrou em contagem regressiva, com as forças diminuindo a cada hora como a luz de uma vela, até o fim, quando envolto em sua toalhinha felpuda e colocado sobre o sofá da sala, às vinte horas e quinze minutos do dia 08 de janeiro, confortado pelo carinho da família à sua volta, enfim o seu forte coraçãozinho de vinte e dois anos parou. Sem fazer nenhum gesto ele partiu para sempre, deixando entre nós um grande vazio e a história de um siamêsinho tão querido, que por nós será sempre lembrado com imensa saudade.

Júnia – 19 de janeiro/2008

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PELUCINHO - ETERNA SAUDADE...


Lembro-me muito bem de quando o vi pela primeira vez, deslizando pelo corredor de tábua corrida no apartamento onde morava com os “pais”, correndo e escorregando na superfície lisa com aquelas perninhas grossas e curtas, rabinho peludo e levantado que mais parecia um espanadorzinho de penas. Com aqueles olhinhos matreiros de cor avermelhada, olhava-me de longe com uma certa reserva - uma intrusa desconhecida que sem querer havia pisado levemente em uma de suas lindas patinhas. Apesar de eu ter tentado lhe fazer um carinho e lhe pedir desculpas, ele não me deu muita confiança e manteve-se à distância olhando-me desconfiado, deixando-me com um tremendo sentimento de culpa e de paixão.
Era muito lindo, o bichano mais lindo e fofo que eu já conheci. De cor bege, pelo farto e macio, era grande, gracioso, sociável e divertido. Costumava entrar no lugar reservado para um aparelho de ar condicionado que ainda não fora instalado na sala de visitas, e como o apartamento ficava no primeiro andar do prédio, não havia quem passasse pela calçada que não parasse para admirar a graça, a beleza e o charme que ele esbanjava, sentado, apreciando tranquilamente o movimento da rua, indiferente aos elogios que lhe faziam, principalmente as crianças. 
Eu não podia imaginar que um dia ele viesse para a nossa casa, integrar-se à nossa vida e se enraizar tão profundamente em meu coração. Cheguei a criar uma débil fantasia imaginando que ele me chamava de vovó. É que eu sempre gostei de gatinhos e de conversar com eles, fingindo que eles também conversavam comigo, e inventava uma falinha com sotaque especial, como se fosse deles. 
Seu nome era Jimmy, mas como ele mais parecia um daqueles bichinhos macios de pelúcia que se compra nas lojas, passei a chama-lo de Pelúcio, apesar dos protestos de seu antigo dono, que dizia haver lhe dado um nome mais sofisticado e charmoso, próprio para um exemplar da raça persa.
Pelúcio tinha hábitos muito cativantes, que logo conquistaram a sua nova família, como o de enfiar as patinhas entre os cabelos da gente, encostar a cabecinha na nossa cabeça e ficar ronronando de felicidade. Pedia comidinha ficando de pé, subindo nas pernas de quem estava na cozinha, ficava todo arrepiadinho e dava umas voltinhas em círculo. Cismou de tomar para ele a minha cadeira de leitura, reclinável, e quando me via caminhar em direção a ela, rapidamente corria na frente, subia na cadeira, se sentava e ficava me olhando com ar triunfante, bem certo de ser o real proprietário daquele território.. 

No verão mandávamos tosar o seu pelo por causa do calor. Ele ficava tão curtinho e engraçado que até parecia um cachorrinho, que eu adorava, e lhe dava tantos beijinhos que ele muito atordoado e sufocado, até me arranhava e me dava uns tapas! Tão lin dinho...

De repente adoeceu. Ficou estranho, com o semblante visivelmente abatido, olhinhos pra baixo e com o pescocinho mole. Não conseguia ficar de pé. Depois de ser examinado, radiografado e medicado, aparentemente voltou ao normal, mas estava condenado. A sua coluna estava lesionada. Talvez em suas estripolias de gatinho danado, tivesse caído de mau jeito ao pular de algum móvel e machucado fortemente uma vértebra, que prendendo um nervo impedia a circulação da medula, e não foi aconselhável opera-lo. Depois de alguns dias o problema se repetiu, ele foi medicado novamente, mas na terceira crise não resistiu. 
Só quem também ama de verdade pode entender a dor que se acumula no coração de quem vê o seu ente querido sofrendo e não pode fazer mais nada para alivia-lo. Ver os seus olhinhos nos olhando com um ar de quem está lhe perguntando - por que? – faz a gente sentir uma comoção tão grande que temos a impressão de que o nosso coração está se partindo, e somente as lágrimas expressam a dor que estamos sentindo, e que já se chama saudade. 
Para consolo nos restam as fotos de momentos felizes que vivemos juntos, seu pratinho de ração, sua cumbuquinha de água e tudo mais que ele usava. E a minha cadeira, que será sempre dele. 

VOVÓ – 16/AGOSTO/2009

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LADY MARINA  - A LEIDINHA

(COLOCAR UMA FOTO DELA)

 Uma tarde enquanto eu caminhava pelo parque do Flamengo no Rio de Janeiro, avistei dentro de uma garagem de barcos na marina da Gloria, uma gatinha branca muito frágil, que entre outros animais maiores também disputava uma porção de comida no chão. Só que na disputa pela comida, os outros gatos, fortes e sabidos a empurravam e lhe batiam, e um bichano muito grande atirou-se sobre ela. Travou-se uma briga terrível e a pobrezinha apanhava muito. Assustada ela correu e se escondeu embaixo de um barco velho.
Muito penalizada eu voltei à minha casa, coloquei um pouco de ração num vidro, peguei um travesseiro surrado, coloquei tudo num carrinho de feira e voltei ao parque, mas não encontrei mais a gatinha. Intencionalmente coloquei um pouco de ração no chão, na esperança de que ela aparecesse, e toda a gataria se aproximou para comer. De repente, muito timidamente apareceu também a gatinha branca, que mais uma vez não teve nenhuma chance. Então eu coloquei um pouco de ração na minha mão, estirei o braço e comecei a chama-la carinhosamente mostrando-lhe a comidinha. Era muito tímida e ao mesmo tempo agressiva, como se automaticamente vivesse tentando se defender, mas se aproximou, estirou o pescocinho e começou a devorar os grãozinhos que estavam na minha mão. Era muito magrinha, quase só tinha pelo e ossos, estava faminta e muito machucada. Tinha uma linda pelagem, com apenas uma manchinha cinza nas costas. Percebi que ela tinha um olhinho verde e outro azul, e como era graciosa!
Enquanto comia eu a segurei com firmeza, puxei-a para o lado de fora da cerca de arame e a coloquei dentro do carrinho sobre o travesseiro macio, aonde já havia um punhado de ração espalhado, para ela comer. Não pesava quase nada, era leve como uma pena. Fechei fortemente a tampa do carrinho e rapidamente fomos embora para a nossa casa.
A princípio, mesmo assustada ela continuou a se alimentar. Depois, sentindo-se segura dentro do carrinho, deitou-se sobre a almofada, virou a cabecinha para um lado e começou a cochilar. Estava muito cansada e ofegante, mas mesmo assim, de vez em quando se erguia e olhava para um lado e para o outro como se estivesse vendo aqueles lugares pela primeira vez. Certamente fora levada por alguém e abandonada dentro daquele cercado cheio de gatos estranhos, que também tiveram o mesmo destino, mas que a maltratavam muito. Resolvi em meu coração que de agora em diante eu lhe daria um novo destino, e ela teria proteção, abrigo seguro, alimentação, carinho, família, e mais: um nome!
Anoitecia quando chegamos no novo lar de Lady Marina da Gloria, Leidinha, como seria chamada, aonde ela foi bem recebida e aceita, apesar do olhar meio desconfiado de Seu Xandico, o nosso gato siamês, que apesar da covardia que lhe fizeram, mesmo capado mostrou que era um macho de boa cepa, e não parava de rodear e dar cheirinhos na  linda namorada, de quem sempre teve muitas crises de ciúmes, embora nunca tenha podido assumir pra valer as suas obrigações de marido.
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Não era uma vira-latas, mas um felino SDR, ou seja, sem definição de raça, era uma mistura, falou o veterinário, e a causa do seu raquitismo era a fome, o maltrato e o estresse em que ela vivia. Não era tão novinha como eu pensava;    já era adulta, mas era pequena e curtinha. Tinha varias feridas pelo corpo, causadas pelas unhas e mordidas dos gatos que a atacavam, tinha bactérias nas patinhas e orelhas, e entre outras mazelas um fungo no nariz. E aquele seu olhinho tinha a cor azul porque era vazado e cego.
- Pobrezinha, falei morrendo de pena. Ela ainda tem jeito, doutor? Perguntei.
- Sim, claro, ela só precisa de cuidados, boa alimentação e tratamento. E muito amor! Ela nunca teve nada disso...
E a Leidinha ficou internada por três dias, se alimentando bem, tomando soro e remédio. Quando fui busca-la fiquei surpresa: apesar da magreza estava linda! Tinha tomado banho, seu pelo estava tão branquinho e escovado que dava gosto se ver, e  estava toda perfumada e esperta. Parecia mais uma coelhinha.
Em mais ou menos cinco meses engordou tanto que a barriguinha quase encostava no chão, porque as patinhas eram curtas. Tinha um andarzinho requebrado e faceiro e gostava de pular e correr, por isso mesmo fez valer o carinhoso apelido de coelha, e com  todo aquele sex-appeal, logo tivemos que providenciar a sua castração para evitar maiores problemas, pois estava ficando muito assanhada.
Quis o destino que um outro gatinho viesse para a nossa casa, o Bill. Esse era bem nascido, tinha dois meses e logo cresceu muito, para desespero daquele que já se julgava marido da linda gatona branca. Só que pra nenhum dos dois ela dava a mínima, não queria era nada, pois já estava de coração fechado para o amor desde aquela operação que lhe fizeram na clínica. E lá eu tive que levar o outro gato macho pra castrar também, só assim a gente teria sossego em casa, ainda mais por causa dos ciúmes do siamês, que era bom de briga, e  nas suas crises passava o dia rosnando, ameaçando sair no tapa. 
Brancas nuvens por muito tempo, família tranqüila, mas lá vem o destino outra vez com uma das suas. E chegou o Pelucinho, um bichano persa lindão de cor bege, um verdadeiro gatão, pra mais uma vez atiçar os ciúmes do siamês. Troca de olhares e cheirinhos furtivos aconteceram de montão com a chegada do gatão, mas pra sorte do maridão, o belo concorrente, coitado, não era de nada. Também era eunuco!
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Infelizmente ninguém escapa da crueldade do destino, pois tudo que começa tem fim. Nós tínhamos uma família de quatro lindos felinos que conviviam  em santa paz, mas começamos a perceber que a coelhinha, a essa altura já com treze anos, apesar de seu grande apetite, estava  emagrecendo. Vivia deitada embaixo de uma mesinha na cozinha e de vez em quando botava a língua pra fora, tossia e ficava muito cansada, ofegante mesmo. Já não brincava nem corria junto com os seus três amigos.
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Na clínica, o mesmo veterinário que cuidou dela antes, foi taxativo. Mostrando-me a radiografia, falou:
- Não tenho boas notícias não. Infelizmente é câncer no pulmão, e em estado bem avançado, mas com  medicamentos e quimioterapia...
Realmente a notícia foi muito chocante, foi como se nós duas, eu e minha filha,  tivéssemos levado uma pancada na cabeça; não podíamos acreditar. Mas me refazendo do impacto, falei com convicção:
 - Não, não, doutor. Seria apenas para prolongar a vida da bichinha por alguns meses, não é mesmo?
- Sim, mas muitas vezes o paciente apresenta uma boa resposta ao tratamento. Faz-se o possível, e no mínimo conseguimos que vivam mais um pouco, e com menos sofrimento.
 - Não. A Leidinha já tem muita idade, é muito frágil e não vai suportar. Isso só iria prolongar inutilmente o seu sofrimento, e ela já sofreu muito antes, o senhor sabe. Nós a amamos e queremos evitar que ela sofra mais, por isso decidimos que tudo termine agora, enquanto ela ainda não está sentindo muitas dores e ainda consegue respirar e se alimentar.
Ela permanecia deitadinha sobre a mesa fria de alumínio, na sala de atendimento médico. Com a cabecinha apoiada na minha mão, bem quietinha, parecia estar entendendo  resignada aquela nossa conversa, em que a sua família acabava de decidir e autorizar o médico a por fim ao seu sofrimento e à sua vida. Olhava para a sala com um olharzinho perdido como se estivesse longe, bem distante dali. Quem sabe ela estaria vendo passar diante dos seus olhinhos uma retrospectiva da sua vida, que já  estava se aproximando do fim. De repente fechou os olhos, como se tivesse adormecido.
 - Se a senhora está mesmo decidida...
E percebendo a nossa tristeza, disse: ela não sofrerá coisa alguma, não sentirá dores nem entrará em agonia. Morrerá dormindo. Mandarei fazer uma medicação letal que será colocada no soro, numa dosagem superior ao que ela pode suportar. Será tudo rápido. Ela adormecerá profundamente e não acordará mais.
Um funcionário a levou para o andar de cima e não a vimos mais. Sem despedidas. Foi melhor assim.
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Já era noite quando nós saímos silenciosamente da clínica, tristes, com os corações pesados e até mesmo com um certo sentimento de culpa. Sabíamos que estávamos sendo responsáveis pela morte daquele animalzinho querido, que nos deu tantas alegrias convivendo conosco por tantos anos, desde aquela tarde longínqua em que eu a encontrei abandonada naquela garagem de barcos.
Entramos no carro sem trocar nenhuma palavra. Quando chegamos em casa parecia que tínhamos deixado um pedaço de cada uma de nós naquele hospital. Ficou tudo tão triste sem ela, um vazio tão grande embaixo da mesinha na cozinha, onde ela viveu seus últimos dias deitada sobre aquela toalha listrada...
Mas como no circo, o espetáculo da vida também continua. E ficaram os outros três para alegrarem a nossa casa: Seu Xandico - o siamês, já com dezoito anos, o Bill e o Pelucinho, que também teriam as suas histórias de vida pra contarmos depois, e a cada partida uma saudade.

Autora: Junia - 2012





BIL CATS
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O NOME DELE ERA "SEU" XANDICO





Seu Xandico


22 de outubro de 2007. Lá está ele dormindo na nossa cama com a maior intimidade, como um filhinho que de vez em quando adormece na cama dos pais. E é assim que ele se sente mesmo, como um filhinho nosso. E tenho certeza de que se eu pudesse ler os seus pensamentos, poderia mesmo confirmar que essa é uma grande verdade para ele, que nesses vinte e dois anos de convivência aprendeu a nos amar como nós o amamos também e a depender completamente de nós. É um amigo sincero, que sente a nossa falta quando demoramos a voltar pra casa e enquanto não chegamos ele não pára de andar de um lado pra outro, cheio de ansiedade, principalmente em relação ao seu dono, a quem se apegou como se realmente fosse o pai dele.
Agora a sua idade equivale, em idade humana, a mais de noventa anos. Magrinho, fraco e com o pelinho ralo e desbotado, com seus olhinhos vesgos, antes de um lindo azul brilhante e agora embotados pelo tempo e pela catarata que o impede de enxergar bem, costuma perambular a esmo pela casa com um andarzinho banzeiro, trambecando das perninhas magras, com um olhar perdido como se não estivesse reconhecendo os lugares onde sempre viveu. Às vezes põe-se a miar alto e grosso até mesmo durante a noite, como se estivesse a procura de alguma coisa que ninguém pode saber o que é, e talvez nem ele mesmo saiba o quê. Então ele vai até o seu pratinho no chão, come um pouco, depois procura um dos seus lugares preferidos e volta a adormecer. E sonha. Os movimentos repentinos de suas frágeis patinhas denotam que sua mente está revivendo, quem sabe, momentos de seu passado distante, quando elas realmente faziam jus a reconhecida agilidade dos gatos, quando pulavam janelas e muros, subiam correndo as escadarias do prédio e foram capazes de incontáveis peripécias e fugas espetaculares, se escondendo em apartamentos vizinhos ou desaparecendo sobre o teto da garagem do prédio numa noite de chuva. 

Pertence a raça siamesa, e no vigor da sua juventude as cores marrons claro e escuro da sua pelagem eram de fazer inveja a qualquer outro bichano que aparecesse nos corredores do edifício Simon Bolívar, onde ele veio residir no apartamento 304, precisamente no dia doze de outubro de 1986, com dois meses de idade, oferecido como presente no Dia da Criança à nossa filha Tatiana. 
A sua história é bastante longa e recheada de episódios pitorescos durante esses longos anos, que até dariam um livro. Tem de tudo, começando pelo dia em que já bastante forte e bom de briga ele atracou-se com outro bichano do condomínio e o seu “pai”, que naquele tempo ainda não era assim considerado, e que também não ia nem um pouco com o focinho dele, tentando apartar a briga levou tremendas mordidas no braço esquerdo e na mão. A raiva foi tamanha que ele tentou, embora inutilmente, dar-lhe uma boa surra. Foi um verdadeiro pandemônio na cozinha de manhã cedo, com gente chorando e tudo, implorando pra que ele não castigasse o gato. Deu barraco mesmo. Mas o bichinho era tão danado que ao ver as coisas ficarem pretas pro seu lado, lançou mão dos recursos que a natureza lhe conferiu e, agindo rápido como um gato que se preza se escondeu embaixo da geladeira, que empurrada pra lá e empurrada pra cá pra puxa-lo debaixo pelo rabo, veio parar no meio da cozinha, mas ninguém conseguiu tira-lo de lá. E graças a habilidade do resto da família, o dono do gato foi acalmado e levado para sala, onde recebeu os cuidados necessários. E pelo resto do dia pouco se viu mais o felino, que ressabiado tratou de se esconder muito bem. 

E agora, quem vai poder explicar o porque da transformação que se seguiu? Não há quem saiba. Daí por diante, apesar dos pesares, os dois, o dono e o gato, se tornaram amigos, ou melhor, até pareciam pai e filho. De tal forma que quilos e mais quilos de sardinha fresca passaram a entulhar o congelador da geladeira e logo depois, caixas e mais caixas de latinhas de Wiskas de sabores variados ao gosto do freguês passaram a ser empilhadas nos armários e soleiras das janelas da área de serviço, e o gato gordo e luzidio até passou a ter ficha completa com endereço fixo, número de telefone e tudo em clínica veterinária da zona sul do Rio de Janeiro. Tudo pago pelo dono. E passou também a ser elogiado por sua valentia e macheza, apesar de seu proprietário ter mandado castra-lo, por motivos de conveniência ou, quem sabe, para evitar inconveniências. No entanto, desconfio que até hoje o pobre animalzinho tem essa mágoa atravessada na goela, mas conformou-se: fazer o quê? O que foi feito, feito foi.... Entretanto ainda andou circulando pelos corredores do prédio um boato de que um siamêsinho bastardo que nasceu na garagem e que a mãe abandonou, só poderia ser filho dele, já que por ali não havia outro gato daquela raça a não ser o do apartamento 304, afirmava categoricamente um porteiro que encontrou o recém nascido. Nesse caso, se o porteiro tiver razão, o dito cujo gato era tão macho mesmo que ainda foi pai, mesmo depois de castrado. 

Não tinha medo de estranhos e nunca se escondeu embaixo de cama com medo de foguetão. Tirava de letra a gritaria e os estouros dos fogos na rua durante os jogos da Copa do Mundo, olhando para a janela como se estivesse entendendo alguma coisa. Entendendo ou não do assunto, o fato é que sempre assistiu na sala, no meio da galera animada, os jogos de cinco Copas, recorde batido por muito poucos espécimes da família dos felídeos. Até nas noites de 31 de dezembro, enquanto à meia noite os outros gatos se enfiavam dentro dos armários, apavorados com os estouros das bombas, ele permanecia tranquilo, apenas olhando para a janela da rua, como sempre aconteceu durante as vinte e duas noites de ano novo que viveu e até mesmo comemorou, saboreando suculentos pedaços de peru ou chester que lhe eram oferecidos. 
Agora ele não viverá mais por muito tempo entre nós. E não seria justo que depois de tantos anos enchendo de alegria a nossa casa, mesmo tendo sido responsável por quebra de abajur, relógios e ventiladores, por ter derrubado árvore de natal e se embrenhado entre as lâmpadas acesas, quase causado um curto circuito, tendo ficado dependurado no secador de roupas quando tentava fugir, mesmo tendo a audácia de saltar pela janela e caído em cima da cabeça do coronel, nosso vizinho que estava dormindo no sofá da sala e acordou apavorado, por tudo isso e muito mais, não seria justo ele não receber uma homenagem das pessoas a quem ele tanto trouxe momentos de alegria. 
Depois que ele partir, com certeza a casa nunca mais será a mesma. Nela estará sempre faltando o velho gatinho que quase só tinha o coro e os ossos, mas era tão danado que sempre tentava subir nos móveis e às vezes escorregava, por falta de força nas perninhas trôpegas. Serão muitas as lembranças e a saudade que ele vai deixar em nossos corações, quando de sua passagem por este mundo. Por isso esta crônica está sendo escrita agora, pois ele é muitíssimo sensível e inteligente para entender a nossa linguagem. Nós sabemos que ele compreende o que estamos dizendo. Não importa o que os outros pensem de nós, o que digam e o que falem... Ele está ali na minha frente e sabe que estou escrevendo sobre ele, e ele merece esta homenagem. 

Dois meses depois...


Sua última noite de reveillon ele passou deitadinho na nossa cama, como sempre estava vivendo. Sem mais nenhum entusiasmo, de vez em quando levantava a cabecinha e olhava esmo para a janela da rua, de onde vinha o som dos estouros dos fogos, que ele ouviu pela última vez. Em seguida, mergulhou em seu profundo sono. 
Era o quinto dia do ano de 2008 e ele quase não conseguia mais se alimentar nem beber água. A fraqueza o dominava e o seu estado nos causava muita tristeza. A veterinária fora realista diante do quadro de seu paciente que, devido a idade muito avançada, por ele nada mais poderia ser feito. 
Decidimos então autorizar a médica a sacrificá-lo, já que anestesiado ele deixaria a vida sem nenhum sofrimento. Com muito pesar levei-o à clínica em meus braços, enroladinho numa toalha macia como se ele fosse um bebê, a fim de que tudo terminasse logo. Mas ao vê-lo estirar um bracinho para fora da toalha e passar a patinha no meu queixo, olhando-me com aqueles olhinhos embotados e tristes, como se estivesse me pedindo para não fazer isso... ah, Deus! Eu não tive coragem de entrega-lo ao sacrifício. Trouxe-o de volta para a sua casa que ele tanto amava e onde sempre viveu, para que dela ele partisse em paz sabe-se lá para onde na eternidade, ou mesmo para lugar nenhum. 
Ele sempre foi surpreendente, e não deixou de ser diferente ao chegar em casa naquela tarde, pois para espanto de todos, comeu fígado cru picadinho e bebeu água durante mais dois dias e dormiu bastante! A partir daí a sua longa vida entrou em contagem regressiva, com as forças diminuindo a cada hora como a luz de uma vela, até o fim, quando envolto em sua toalhinha felpuda e colocado sobre o sofá da sala, às vinte horas e quinze minutos do dia 08 de janeiro, confortado pelo carinho da família à sua volta, enfim o seu forte coraçãozinho de vinte e dois anos parou. Sem fazer nenhum gesto ele partiu para sempre, deixando entre nós um grande vazio e a história de um siamêsinho tão querido, que por nós será sempre lembrado com imensa saudade. 

Júnia – 19 de janeiro/2008

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PELUCINHO - ETERNA SAUDADE...




Lembro-me muito bem de quando o vi pela primeira vez, deslizando pelo corredor de tábua corrida no apartamento onde morava com os “pais”, correndo e escorregando na superfície lisa com aquelas perninhas grossas e curtas, rabinho peludo e levantado que mais parecia um espanadorzinho de penas. Com aqueles olhinhos matreiros de cor avermelhada, olhava-me de longe com uma certa reserva - uma intrusa desconhecida que sem querer havia pisado levemente em uma de suas lindas patinhas. Apesar de eu ter tentado lhe fazer um carinho e lhe pedir desculpas, ele não me deu muita confiança e manteve-se à distância olhando-me desconfiado, deixando-me com um tremendo sentimento de culpa e de paixão.


Era muito lindo, o bichano mais lindo e fofo que eu já conheci. De cor bege, pelo farto e macio, era grande, gracioso, sociável e divertido. Costumava entrar no lugar reservado para um aparelho de ar condicionado que ainda não fora instalado na sala de visitas, e como o apartamento ficava no primeiro andar do prédio, não havia quem passasse pela calçada que não parasse para admirar a graça, a beleza e o charme que ele esbanjava, sentado, apreciando tranquilamente o movimento da rua, indiferente aos elogios que lhe faziam, principalmente as crianças. 


Eu não podia imaginar que um dia ele viesse para a nossa casa, integrar-se à nossa vida e se enraizar tão profundamente em meu coração. Cheguei a criar uma débil fantasia imaginando que ele me chamava de vovó. É que eu sempre gostei de gatinhos e de conversar com eles, fingindo que eles também conversavam comigo, e inventava uma falinha com sotaque especial, como se fosse deles. 


Seu nome era Jimmy, mas como ele mais parecia um daqueles bichinhos macios de pelúcia que se compra nas lojas, passei a chama-lo de Pelúcio, apesar dos protestos de seu antigo dono, que dizia haver lhe dado um nome mais sofisticado e charmoso, próprio para um exemplar da raça persa.


Pelúcio tinha hábitos muito cativantes, que logo conquistaram a sua nova família, como o de enfiar as patinhas entre os cabelos da gente, encostar a cabecinha na nossa cabeça e ficar ronronando de felicidade. Pedia comidinha ficando de pé, subindo nas pernas de quem estava na cozinha, ficava todo arrepiadinho e dava umas voltinhas em círculo. Cismou de tomar para ele a minha cadeira de leitura, reclinável, e quando me via caminhar em direção a ela, rapidamente corria na frente, subia na cadeira, se sentava e ficava me olhando com ar triunfante, bem certo de ser o real proprietário daquele território.. 

No verão mandávamos tosar o seu pelo por causa do calor. Ele ficava tão curtinho e engraçado que até parecia um cachorrinho, que eu adorava, e lhe dava tantos beijinhos que ele muito atordoado e sufocado, até me arranhava e me dava uns tapas! Tão lin dinho...

De repente adoeceu. Ficou estranho, com o semblante visivelmente abatido, olhinhos pra baixo e com o pescocinho mole. Não conseguia ficar de pé. Depois de ser examinado, radiografado e medicado, aparentemente voltou ao normal, mas estava condenado. A sua coluna estava lesionada. Talvez em suas estripolias de gatinho danado, tivesse caído de mau jeito ao pular de algum móvel e machucado fortemente uma vértebra, que prendendo um nervo impedia a circulação da medula, e não foi aconselhável opera-lo. Depois de alguns dias o problema se repetiu, ele foi medicado novamente, mas na terceira crise não resistiu. 


Só quem também ama de verdade pode entender a dor que se acumula no coração de quem vê o seu ente querido sofrendo e não pode fazer mais nada para alivia-lo. Ver os seus olhinhos nos olhando com um ar de quem está lhe perguntando - por que? – faz a gente sentir uma comoção tão grande que temos a impressão de que o nosso coração está se partindo, e somente as lágrimas expressam a dor que estamos sentindo, e que já se chama saudade. 


Para consolo nos restam as fotos de momentos felizes que vivemos juntos, seu pratinho de ração, sua cumbuquinha de água e tudo mais que ele usava. E a minha cadeira, que será sempre dele. 


VOVÓ – 16/AGOSTO/2009

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LADY MARINA  - A LEIDINHA

(COLOCAR UMA FOTO DELA)

 Uma tarde enquanto eu caminhava pelo parque do Flamengo no Rio de Janeiro, avistei dentro de uma garagem de barcos na marina da Gloria, uma gatinha branca muito frágil, que entre outros animais maiores também disputava uma porção de comida no chão. Só que na disputa pela comida, os outros gatos, fortes e sabidos a empurravam e lhe batiam, e um bichano muito grande atirou-se sobre ela. Travou-se uma briga terrível e a pobrezinha apanhava muito. Assustada ela correu e se escondeu embaixo de um barco velho.
Muito penalizada eu voltei à minha casa, coloquei um pouco de ração num vidro, peguei um travesseiro surrado, coloquei tudo num carrinho de feira e voltei ao parque, mas não encontrei mais a gatinha. Intencionalmente coloquei um pouco de ração no chão, na esperança de que ela aparecesse, e toda a gataria se aproximou para comer. De repente, muito timidamente apareceu também a gatinha branca, que mais uma vez não teve nenhuma chance. Então eu coloquei um pouco de ração na minha mão, estirei o braço e comecei a chama-la carinhosamente mostrando-lhe a comidinha. Era muito tímida e ao mesmo tempo agressiva, como se automaticamente vivesse tentando se defender, mas se aproximou, estirou o pescocinho e começou a devorar os grãozinhos que estavam na minha mão. Era muito magrinha, quase só tinha pelo e ossos, estava faminta e muito machucada. Tinha uma linda pelagem, com apenas uma manchinha cinza nas costas. Percebi que ela tinha um olhinho verde e outro azul, e como era graciosa!
Enquanto comia eu a segurei com firmeza, puxei-a para o lado de fora da cerca de arame e a coloquei dentro do carrinho sobre o travesseiro macio, aonde já havia um punhado de ração espalhado, para ela comer. Não pesava quase nada, era leve como uma pena. Fechei fortemente a tampa do carrinho e rapidamente fomos embora para a nossa casa.
A princípio, mesmo assustada ela continuou a se alimentar. Depois, sentindo-se segura dentro do carrinho, deitou-se sobre a almofada, virou a cabecinha para um lado e começou a cochilar. Estava muito cansada e ofegante, mas mesmo assim, de vez em quando se erguia e olhava para um lado e para o outro como se estivesse vendo aqueles lugares pela primeira vez. Certamente fora levada por alguém e abandonada dentro daquele cercado cheio de gatos estranhos, que também tiveram o mesmo destino, mas que a maltratavam muito. Resolvi em meu coração que de agora em diante eu lhe daria um novo destino, e ela teria proteção, abrigo seguro, alimentação, carinho, família, e mais: um nome!
Anoitecia quando chegamos no novo lar de Lady Marina da Gloria, Leidinha, como seria chamada, aonde ela foi bem recebida e aceita, apesar do olhar meio desconfiado de Seu Xandico, o nosso gato siamês, que apesar da covardia que lhe fizeram, mesmo capado mostrou que era um macho de boa cepa, e não parava de rodear e dar cheirinhos na  linda namorada, de quem sempre teve muitas crises de ciúmes, embora nunca tenha podido assumir pra valer as suas obrigações de marido.
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Não era uma vira-latas, mas um felino SDR, ou seja, sem definição de raça, era uma mistura, falou o veterinário, e a causa do seu raquitismo era a fome, o maltrato e o estresse em que ela vivia. Não era tão novinha como eu pensava;    já era adulta, mas era pequena e curtinha. Tinha varias feridas pelo corpo, causadas pelas unhas e mordidas dos gatos que a atacavam, tinha bactérias nas patinhas e orelhas, e entre outras mazelas um fungo no nariz. E aquele seu olhinho tinha a cor azul porque era vazado e cego.
- Pobrezinha, falei morrendo de pena. Ela ainda tem jeito, doutor? Perguntei.
- Sim, claro, ela só precisa de cuidados, boa alimentação e tratamento. E muito amor! Ela nunca teve nada disso...
E a Leidinha ficou internada por três dias, se alimentando bem, tomando soro e remédio. Quando fui busca-la fiquei surpresa: apesar da magreza estava linda! Tinha tomado banho, seu pelo estava tão branquinho e escovado que dava gosto se ver, e  estava toda perfumada e esperta. Parecia mais uma coelhinha.
Em mais ou menos cinco meses engordou tanto que a barriguinha quase encostava no chão, porque as patinhas eram curtas. Tinha um andarzinho requebrado e faceiro e gostava de pular e correr, por isso mesmo fez valer o carinhoso apelido de coelha, e com  todo aquele sex-appeal, logo tivemos que providenciar a sua castração para evitar maiores problemas, pois estava ficando muito assanhada.
Quis o destino que um outro gatinho viesse para a nossa casa, o Bill. Esse era bem nascido, tinha dois meses e logo cresceu muito, para desespero daquele que já se julgava marido da linda gatona branca. Só que pra nenhum dos dois ela dava a mínima, não queria era nada, pois já estava de coração fechado para o amor desde aquela operação que lhe fizeram na clínica. E lá eu tive que levar o outro gato macho pra castrar também, só assim a gente teria sossego em casa, ainda mais por causa dos ciúmes do siamês, que era bom de briga, e  nas suas crises passava o dia rosnando, ameaçando sair no tapa. 
Brancas nuvens por muito tempo, família tranqüila, mas lá vem o destino outra vez com uma das suas. E chegou o Pelucinho, um bichano persa lindão de cor bege, um verdadeiro gatão, pra mais uma vez atiçar os ciúmes do siamês. Troca de olhares e cheirinhos furtivos aconteceram de montão com a chegada do gatão, mas pra sorte do maridão, o belo concorrente, coitado, não era de nada. Também era eunuco!
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Infelizmente ninguém escapa da crueldade do destino, pois tudo que começa tem fim. Nós tínhamos uma família de quatro lindos felinos que conviviam  em santa paz, mas começamos a perceber que a coelhinha, a essa altura já com treze anos, apesar de seu grande apetite, estava  emagrecendo. Vivia deitada embaixo de uma mesinha na cozinha e de vez em quando botava a língua pra fora, tossia e ficava muito cansada, ofegante mesmo. Já não brincava nem corria junto com os seus três amigos.
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Na clínica, o mesmo veterinário que cuidou dela antes, foi taxativo. Mostrando-me a radiografia, falou:
- Não tenho boas notícias não. Infelizmente é câncer no pulmão, e em estado bem avançado, mas com  medicamentos e quimioterapia...
Realmente a notícia foi muito chocante, foi como se nós duas, eu e minha filha,  tivéssemos levado uma pancada na cabeça; não podíamos acreditar. Mas me refazendo do impacto, falei com convicção:
 - Não, não, doutor. Seria apenas para prolongar a vida da bichinha por alguns meses, não é mesmo?
- Sim, mas muitas vezes o paciente apresenta uma boa resposta ao tratamento. Faz-se o possível, e no mínimo conseguimos que vivam mais um pouco, e com menos sofrimento.
 - Não. A Leidinha já tem muita idade, é muito frágil e não vai suportar. Isso só iria prolongar inutilmente o seu sofrimento, e ela já sofreu muito antes, o senhor sabe. Nós a amamos e queremos evitar que ela sofra mais, por isso decidimos que tudo termine agora, enquanto ela ainda não está sentindo muitas dores e ainda consegue respirar e se alimentar.
Ela permanecia deitadinha sobre a mesa fria de alumínio, na sala de atendimento médico. Com a cabecinha apoiada na minha mão, bem quietinha, parecia estar entendendo  resignada aquela nossa conversa, em que a sua família acabava de decidir e autorizar o médico a por fim ao seu sofrimento e à sua vida. Olhava para a sala com um olharzinho perdido como se estivesse longe, bem distante dali. Quem sabe ela estaria vendo passar diante dos seus olhinhos uma retrospectiva da sua vida, que já  estava se aproximando do fim. De repente fechou os olhos, como se tivesse adormecido.
 - Se a senhora está mesmo decidida...
E percebendo a nossa tristeza, disse: ela não sofrerá coisa alguma, não sentirá dores nem entrará em agonia. Morrerá dormindo. Mandarei fazer uma medicação letal que será colocada no soro, numa dosagem superior ao que ela pode suportar. Será tudo rápido. Ela adormecerá profundamente e não acordará mais.
Um funcionário a levou para o andar de cima e não a vimos mais. Sem despedidas. Foi melhor assim.
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Já era noite quando nós saímos silenciosamente da clínica, tristes, com os corações pesados e até mesmo com um certo sentimento de culpa. Sabíamos que estávamos sendo responsáveis pela morte daquele animalzinho querido, que nos deu tantas alegrias convivendo conosco por tantos anos, desde aquela tarde longínqua em que eu a encontrei abandonada naquela garagem de barcos.
Entramos no carro sem trocar nenhuma palavra. Quando chegamos em casa parecia que tínhamos deixado um pedaço de cada uma de nós naquele hospital. Ficou tudo tão triste sem ela, um vazio tão grande embaixo da mesinha na cozinha, onde ela viveu seus últimos dias deitada sobre aquela toalha listrada...
Mas como no circo, o espetáculo da vida também continua. E ficaram os outros três para alegrarem a nossa casa: Seu Xandico - o siamês, já com dezoito anos, o Bill e o Pelucinho, que também teriam as suas histórias de vida pra contarmos depois, e a cada partida uma saudade.

Autora: Junia - 2012





BIL CATS=====================
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O NOME DELE ERA "SEU" XANDICO


Seu Xandico

22 de outubro de 2007. Lá está ele dormindo na nossa cama com a maior intimidade, como um filhinho que de vez em quando adormece na cama dos pais. E é assim que ele se sente mesmo, como um filhinho nosso. E tenho certeza de que se eu pudesse ler os seus pensamentos, poderia mesmo confirmar que essa é uma grande verdade para ele, que nesses vinte e dois anos de convivência aprendeu a nos amar como nós o amamos também e a depender completamente de nós. É um amigo sincero, que sente a nossa falta quando demoramos a voltar pra casa e enquanto não chegamos ele não pára de andar de um lado pra outro, cheio de ansiedade, principalmente em relação ao seu dono, a quem se apegou como se realmente fosse o pai dele.
Agora a sua idade equivale, em idade humana, a mais de noventa anos. Magrinho, fraco e com o pelinho ralo e desbotado, com seus olhinhos vesgos, antes de um lindo azul brilhante e agora embotados pelo tempo e pela catarata que o impede de enxergar bem, costuma perambular a esmo pela casa com um andarzinho banzeiro, trambecando das perninhas magras, com um olhar perdido como se não estivesse reconhecendo os lugares onde sempre viveu. Às vezes põe-se a miar alto e grosso até mesmo durante a noite, como se estivesse a procura de alguma coisa que ninguém pode saber o que é, e talvez nem ele mesmo saiba o quê. Então ele vai até o seu pratinho no chão, come um pouco, depois procura um dos seus lugares preferidos e volta a adormecer. E sonha. Os movimentos repentinos de suas frágeis patinhas denotam que sua mente está revivendo, quem sabe, momentos de seu passado distante, quando elas realmente faziam jus a reconhecida agilidade dos gatos, quando pulavam janelas e muros, subiam correndo as escadarias do prédio e foram capazes de incontáveis peripécias e fugas espetaculares, se escondendo em apartamentos vizinhos ou desaparecendo sobre o teto da garagem do prédio numa noite de chuva. 
Pertence a raça siamesa, e no vigor da sua juventude as cores marrons claro e escuro da sua pelagem eram de fazer inveja a qualquer outro bichano que aparecesse nos corredores do edifício Simon Bolívar, onde ele veio residir no apartamento 304, precisamente no dia doze de outubro de 1986, com dois meses de idade, oferecido como presente no Dia da Criança à nossa filha Tatiana. 
A sua história é bastante longa e recheada de episódios pitorescos durante esses longos anos, que até dariam um livro. Tem de tudo, começando pelo dia em que já bastante forte e bom de briga ele atracou-se com outro bichano do condomínio e o seu “pai”, que naquele tempo ainda não era assim considerado, e que também não ia nem um pouco com o focinho dele, tentando apartar a briga levou tremendas mordidas no braço esquerdo e na mão. A raiva foi tamanha que ele tentou, embora inutilmente, dar-lhe uma boa surra. Foi um verdadeiro pandemônio na cozinha de manhã cedo, com gente chorando e tudo, implorando pra que ele não castigasse o gato. Deu barraco mesmo. Mas o bichinho era tão danado que ao ver as coisas ficarem pretas pro seu lado, lançou mão dos recursos que a natureza lhe conferiu e, agindo rápido como um gato que se preza se escondeu embaixo da geladeira, que empurrada pra lá e empurrada pra cá pra puxa-lo debaixo pelo rabo, veio parar no meio da cozinha, mas ninguém conseguiu tira-lo de lá. E graças a habilidade do resto da família, o dono do gato foi acalmado e levado para sala, onde recebeu os cuidados necessários. E pelo resto do dia pouco se viu mais o felino, que ressabiado tratou de se esconder muito bem. 
E agora, quem vai poder explicar o porque da transformação que se seguiu? Não há quem saiba. Daí por diante, apesar dos pesares, os dois, o dono e o gato, se tornaram amigos, ou melhor, até pareciam pai e filho. De tal forma que quilos e mais quilos de sardinha fresca passaram a entulhar o congelador da geladeira e logo depois, caixas e mais caixas de latinhas de Wiskas de sabores variados ao gosto do freguês passaram a ser empilhadas nos armários e soleiras das janelas da área de serviço, e o gato gordo e luzidio até passou a ter ficha completa com endereço fixo, número de telefone e tudo em clínica veterinária da zona sul do Rio de Janeiro. Tudo pago pelo dono. E passou também a ser elogiado por sua valentia e macheza, apesar de seu proprietário ter mandado castra-lo, por motivos de conveniência ou, quem sabe, para evitar inconveniências. No entanto, desconfio que até hoje o pobre animalzinho tem essa mágoa atravessada na goela, mas conformou-se: fazer o quê? O que foi feito, feito foi.... Entretanto ainda andou circulando pelos corredores do prédio um boato de que um siamêsinho bastardo que nasceu na garagem e que a mãe abandonou, só poderia ser filho dele, já que por ali não havia outro gato daquela raça a não ser o do apartamento 304, afirmava categoricamente um porteiro que encontrou o recém nascido. Nesse caso, se o porteiro tiver razão, o dito cujo gato era tão macho mesmo que ainda foi pai, mesmo depois de castrado. 
Não tinha medo de estranhos e nunca se escondeu embaixo de cama com medo de foguetão. Tirava de letra a gritaria e os estouros dos fogos na rua durante os jogos da Copa do Mundo, olhando para a janela como se estivesse entendendo alguma coisa. Entendendo ou não do assunto, o fato é que sempre assistiu na sala, no meio da galera animada, os jogos de cinco Copas, recorde batido por muito poucos espécimes da família dos felídeos. Até nas noites de 31 de dezembro, enquanto à meia noite os outros gatos se enfiavam dentro dos armários, apavorados com os estouros das bombas, ele permanecia tranquilo, apenas olhando para a janela da rua, como sempre aconteceu durante as vinte e duas noites de ano novo que viveu e até mesmo comemorou, saboreando suculentos pedaços de peru ou chester que lhe eram oferecidos. 
Agora ele não viverá mais por muito tempo entre nós. E não seria justo que depois de tantos anos enchendo de alegria a nossa casa, mesmo tendo sido responsável por quebra de abajur, relógios e ventiladores, por ter derrubado árvore de natal e se embrenhado entre as lâmpadas acesas, quase causado um curto circuito, tendo ficado dependurado no secador de roupas quando tentava fugir, mesmo tendo a audácia de saltar pela janela e caído em cima da cabeça do coronel, nosso vizinho que estava dormindo no sofá da sala e acordou apavorado, por tudo isso e muito mais, não seria justo ele não receber uma homenagem das pessoas a quem ele tanto trouxe momentos de alegria.
Depois que ele partir, com certeza a casa nunca mais será a mesma. Nela estará sempre faltando o velho gatinho que quase só tinha o coro e os ossos, mas era tão danado que sempre tentava subir nos móveis e às vezes escorregava, por falta de força nas perninhas trôpegas. Serão muitas as lembranças e a saudade que ele vai deixar em nossos corações, quando de sua passagem por este mundo. Por isso esta crônica está sendo escrita agora, pois ele é muitíssimo sensível e inteligente para entender a nossa linguagem. Nós sabemos que ele compreende o que estamos dizendo. Não importa o que os outros pensem de nós, o que digam e o que falem... Ele está ali na minha frente e sabe que estou escrevendo sobre ele, e ele merece esta homenagem.

Dois meses depois...
Sua última noite de reveillon ele passou deitadinho na nossa cama, como sempre estava vivendo. Sem mais nenhum entusiasmo, de vez em quando levantava a cabecinha e olhava esmo para a janela da rua, de onde vinha o som dos estouros dos fogos, que ele ouviu pela última vez. Em seguida, mergulhou em seu profundo sono. 
Era o quinto dia do ano de 2008 e ele quase não conseguia mais se alimentar nem beber água. A fraqueza o dominava e o seu estado nos causava muita tristeza. A veterinária fora realista diante do quadro de seu paciente que, devido a idade muito avançada, por ele nada mais poderia ser feito.
Decidimos então autorizar a médica a sacrificá-lo, já que anestesiado ele deixaria a vida sem nenhum sofrimento. Com muito pesar levei-o à clínica em meus braços, enroladinho numa toalha macia como se ele fosse um bebê, a fim de que tudo terminasse logo. Mas ao vê-lo estirar um bracinho para fora da toalha e passar a patinha no meu queixo, olhando-me com aqueles olhinhos embotados e tristes, como se estivesse me pedindo para não fazer isso... ah, Deus! Eu não tive coragem de entrega-lo ao sacrifício. Trouxe-o de volta para a sua casa que ele tanto amava e onde sempre viveu, para que dela ele partisse em paz sabe-se lá para onde na eternidade, ou mesmo para lugar nenhum. 
Ele sempre foi surpreendente, e não deixou de ser diferente ao chegar em casa naquela tarde, pois para espanto de todos, comeu fígado cru picadinho e bebeu água durante mais dois dias e dormiu bastante! A partir daí a sua longa vida entrou em contagem regressiva, com as forças diminuindo a cada hora como a luz de uma vela, até o fim, quando envolto em sua toalhinha felpuda e colocado sobre o sofá da sala, às vinte horas e quinze minutos do dia 08 de janeiro, confortado pelo carinho da família à sua volta, enfim o seu forte coraçãozinho de vinte e dois anos parou. Sem fazer nenhum gesto ele partiu para sempre, deixando entre nós um grande vazio e a história de um siamêsinho tão querido, que por nós será sempre lembrado com imensa saudade.

Júnia – 19 de janeiro/2008

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PELUCINHO - ETERNA SAUDADE...


Lembro-me muito bem de quando o vi pela primeira vez, deslizando pelo corredor de tábua corrida no apartamento onde morava com os “pais”, correndo e escorregando na superfície lisa com aquelas perninhas grossas e curtas, rabinho peludo e levantado que mais parecia um espanadorzinho de penas. Com aqueles olhinhos matreiros de cor avermelhada, olhava-me de longe com uma certa reserva - uma intrusa desconhecida que sem querer havia pisado levemente em uma de suas lindas patinhas. Apesar de eu ter tentado lhe fazer um carinho e lhe pedir desculpas, ele não me deu muita confiança e manteve-se à distância olhando-me desconfiado, deixando-me com um tremendo sentimento de culpa e de paixão.
Era muito lindo, o bichano mais lindo e fofo que eu já conheci. De cor bege, pelo farto e macio, era grande, gracioso, sociável e divertido. Costumava entrar no lugar reservado para um aparelho de ar condicionado que ainda não fora instalado na sala de visitas, e como o apartamento ficava no primeiro andar do prédio, não havia quem passasse pela calçada que não parasse para admirar a graça, a beleza e o charme que ele esbanjava, sentado, apreciando tranquilamente o movimento da rua, indiferente aos elogios que lhe faziam, principalmente as crianças. 
Eu não podia imaginar que um dia ele viesse para a nossa casa, integrar-se à nossa vida e se enraizar tão profundamente em meu coração. Cheguei a criar uma débil fantasia imaginando que ele me chamava de vovó. É que eu sempre gostei de gatinhos e de conversar com eles, fingindo que eles também conversavam comigo, e inventava uma falinha com sotaque especial, como se fosse deles. 


Seu nome era Jimmy, mas como ele mais parecia um daqueles bichinhos macios de pelúcia que se compra nas lojas, passei a chama-lo de Pelúcio, apesar dos protestos de seu antigo dono, que dizia haver lhe dado um nome mais sofisticado e charmoso, próprio para um exemplar da raça persa.
Pelúcio tinha hábitos muito cativantes, que logo conquistaram a sua nova família, como o de enfiar as patinhas entre os cabelos da gente, encostar a cabecinha na nossa cabeça e ficar ronronando de felicidade. Pedia comidinha ficando de pé, subindo nas pernas de quem estava na cozinha, ficava todo arrepiadinho e dava umas voltinhas em círculo. Cismou de tomar para ele a minha cadeira de leitura, reclinável, e quando me via caminhar em direção a ela, rapidamente corria na frente, subia na cadeira, se sentava e ficava me olhando com ar triunfante, bem certo de ser o real proprietário daquele território..
No verão mandávamos tosar o seu pelo por causa do calor. Ele ficava tão curtinho e engraçado que até parecia um cachorrinho, que eu adorava, e lhe dava tantos beijinhos que ele muito atordoado e sufocado, até me arranhava e me dava uns tapas! Tão lin dinho...
De repente adoeceu. Ficou estranho, com o semblante visivelmente abatido, olhinhos pra baixo e com o pescocinho mole. Não conseguia ficar de pé. Depois de ser examinado, radiografado e medicado, aparentemente voltou ao normal, mas estava condenado. A sua coluna estava lesionada. Talvez em suas estripolias de gatinho danado, tivesse caído de mau jeito ao pular de algum móvel e machucado fortemente uma vértebra, que prendendo um nervo impedia a circulação da medula, e não foi aconselhável opera-lo. Depois de alguns dias o problema se repetiu, ele foi medicado novamente, mas na terceira crise não resistiu. 
Só quem também ama de verdade pode entender a dor que se acumula no coração de quem vê o seu ente querido sofrendo e não pode fazer mais nada para alivia-lo. Ver os seus olhinhos nos olhando com um ar de quem está lhe perguntando - por que? – faz a gente sentir uma comoção tão grande que temos a impressão de que o nosso coração está se partindo, e somente as lágrimas expressam a dor que estamos sentindo, e que já se chama saudade. 


Para consolo nos restam as fotos de momentos felizes que vivemos juntos, seu pratinho de ração, sua cumbuquinha de água e tudo mais que ele usava. E a minha cadeira, que será sempre dele. 

VOVÓ – 16/AGOSTO/2009

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LADY MARINA  - A LEIDINHA

(COLOCAR UMA FOTO DELA)

 Uma tarde enquanto eu caminhava pelo parque do Flamengo no Rio de Janeiro, avistei dentro de uma garagem de barcos na marina da Gloria, uma gatinha branca muito frágil, que entre outros animais maiores também disputava uma porção de comida no chão. Só que na disputa pela comida, os outros gatos, fortes e sabidos a empurravam e lhe batiam, e um bichano muito grande atirou-se sobre ela. Travou-se uma briga terrível e a pobrezinha apanhava muito. Assustada ela correu e se escondeu embaixo de um barco velho.
Muito penalizada eu voltei à minha casa, coloquei um pouco de ração num vidro, peguei um travesseiro surrado, coloquei tudo num carrinho de feira e voltei ao parque, mas não encontrei mais a gatinha. Intencionalmente coloquei um pouco de ração no chão, na esperança de que ela aparecesse, e toda a gataria se aproximou para comer. De repente, muito timidamente apareceu também a gatinha branca, que mais uma vez não teve nenhuma chance. Então eu coloquei um pouco de ração na minha mão, estirei o braço e comecei a chama-la carinhosamente mostrando-lhe a comidinha. Era muito tímida e ao mesmo tempo agressiva, como se automaticamente vivesse tentando se defender, mas se aproximou, estirou o pescocinho e começou a devorar os grãozinhos que estavam na minha mão. Era muito magrinha, quase só tinha pelo e ossos, estava faminta e muito machucada. Tinha uma linda pelagem, com apenas uma manchinha cinza nas costas. Percebi que ela tinha um olhinho verde e outro azul, e como era graciosa!
Enquanto comia eu a segurei com firmeza, puxei-a para o lado de fora da cerca de arame e a coloquei dentro do carrinho sobre o travesseiro macio, aonde já havia um punhado de ração espalhado, para ela comer. Não pesava quase nada, era leve como uma pena. Fechei fortemente a tampa do carrinho e rapidamente fomos embora para a nossa casa.
A princípio, mesmo assustada ela continuou a se alimentar. Depois, sentindo-se segura dentro do carrinho, deitou-se sobre a almofada, virou a cabecinha para um lado e começou a cochilar. Estava muito cansada e ofegante, mas mesmo assim, de vez em quando se erguia e olhava para um lado e para o outro como se estivesse vendo aqueles lugares pela primeira vez. Certamente fora levada por alguém e abandonada dentro daquele cercado cheio de gatos estranhos, que também tiveram o mesmo destino, mas que a maltratavam muito. Resolvi em meu coração que de agora em diante eu lhe daria um novo destino, e ela teria proteção, abrigo seguro, alimentação, carinho, família, e mais: um nome!
Anoitecia quando chegamos no novo lar de Lady Marina da Gloria, Leidinha, como seria chamada, aonde ela foi bem recebida e aceita, apesar do olhar meio desconfiado de Seu Xandico, o nosso gato siamês, que apesar da covardia que lhe fizeram, mesmo capado mostrou que era um macho de boa cepa, e não parava de rodear e dar cheirinhos na  linda namorada, de quem sempre teve muitas crises de ciúmes, embora nunca tenha podido assumir pra valer as suas obrigações de marido.
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Não era uma vira-latas, mas um felino SDR, ou seja, sem definição de raça, era uma mistura, falou o veterinário, e a causa do seu raquitismo era a fome, o maltrato e o estresse em que ela vivia. Não era tão novinha como eu pensava;    já era adulta, mas era pequena e curtinha. Tinha varias feridas pelo corpo, causadas pelas unhas e mordidas dos gatos que a atacavam, tinha bactérias nas patinhas e orelhas, e entre outras mazelas um fungo no nariz. E aquele seu olhinho tinha a cor azul porque era vazado e cego.
- Pobrezinha, falei morrendo de pena. Ela ainda tem jeito, doutor? Perguntei.
- Sim, claro, ela só precisa de cuidados, boa alimentação e tratamento. E muito amor! Ela nunca teve nada disso...
E a Leidinha ficou internada por três dias, se alimentando bem, tomando soro e remédio. Quando fui busca-la fiquei surpresa: apesar da magreza estava linda! Tinha tomado banho, seu pelo estava tão branquinho e escovado que dava gosto se ver, e  estava toda perfumada e esperta. Parecia mais uma coelhinha.
Em mais ou menos cinco meses engordou tanto que a barriguinha quase encostava no chão, porque as patinhas eram curtas. Tinha um andarzinho requebrado e faceiro e gostava de pular e correr, por isso mesmo fez valer o carinhoso apelido de coelha, e com  todo aquele sex-appeal, logo tivemos que providenciar a sua castração para evitar maiores problemas, pois estava ficando muito assanhada.
Quis o destino que um outro gatinho viesse para a nossa casa, o Bill. Esse era bem nascido, tinha dois meses e logo cresceu muito, para desespero daquele que já se julgava marido da linda gatona branca. Só que pra nenhum dos dois ela dava a mínima, não queria era nada, pois já estava de coração fechado para o amor desde aquela operação que lhe fizeram na clínica. E lá eu tive que levar o outro gato macho pra castrar também, só assim a gente teria sossego em casa, ainda mais por causa dos ciúmes do siamês, que era bom de briga, e  nas suas crises passava o dia rosnando, ameaçando sair no tapa. 
Brancas nuvens por muito tempo, família tranqüila, mas lá vem o destino outra vez com uma das suas. E chegou o Pelucinho, um bichano persa lindão de cor bege, um verdadeiro gatão, pra mais uma vez atiçar os ciúmes do siamês. Troca de olhares e cheirinhos furtivos aconteceram de montão com a chegada do gatão, mas pra sorte do maridão, o belo concorrente, coitado, não era de nada. Também era eunuco!
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Infelizmente ninguém escapa da crueldade do destino, pois tudo que começa tem fim. Nós tínhamos uma família de quatro lindos felinos que conviviam  em santa paz, mas começamos a perceber que a coelhinha, a essa altura já com treze anos, apesar de seu grande apetite, estava  emagrecendo. Vivia deitada embaixo de uma mesinha na cozinha e de vez em quando botava a língua pra fora, tossia e ficava muito cansada, ofegante mesmo. Já não brincava nem corria junto com os seus três amigos.
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Na clínica, o mesmo veterinário que cuidou dela antes, foi taxativo. Mostrando-me a radiografia, falou:
- Não tenho boas notícias não. Infelizmente é câncer no pulmão, e em estado bem avançado, mas com  medicamentos e quimioterapia...
Realmente a notícia foi muito chocante, foi como se nós duas, eu e minha filha,  tivéssemos levado uma pancada na cabeça; não podíamos acreditar. Mas me refazendo do impacto, falei com convicção:
 - Não, não, doutor. Seria apenas para prolongar a vida da bichinha por alguns meses, não é mesmo?
- Sim, mas muitas vezes o paciente apresenta uma boa resposta ao tratamento. Faz-se o possível, e no mínimo conseguimos que vivam mais um pouco, e com menos sofrimento.
 - Não. A Leidinha já tem muita idade, é muito frágil e não vai suportar. Isso só iria prolongar inutilmente o seu sofrimento, e ela já sofreu muito antes, o senhor sabe. Nós a amamos e queremos evitar que ela sofra mais, por isso decidimos que tudo termine agora, enquanto ela ainda não está sentindo muitas dores e ainda consegue respirar e se alimentar.
Ela permanecia deitadinha sobre a mesa fria de alumínio, na sala de atendimento médico. Com a cabecinha apoiada na minha mão, bem quietinha, parecia estar entendendo  resignada aquela nossa conversa, em que a sua família acabava de decidir e autorizar o médico a por fim ao seu sofrimento e à sua vida. Olhava para a sala com um olharzinho perdido como se estivesse longe, bem distante dali. Quem sabe ela estaria vendo passar diante dos seus olhinhos uma retrospectiva da sua vida, que já  estava se aproximando do fim. De repente fechou os olhos, como se tivesse adormecido.
 - Se a senhora está mesmo decidida...
E percebendo a nossa tristeza, disse: ela não sofrerá coisa alguma, não sentirá dores nem entrará em agonia. Morrerá dormindo. Mandarei fazer uma medicação letal que será colocada no soro, numa dosagem superior ao que ela pode suportar. Será tudo rápido. Ela adormecerá profundamente e não acordará mais.
Um funcionário a levou para o andar de cima e não a vimos mais. Sem despedidas. Foi melhor assim.
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Já era noite quando nós saímos silenciosamente da clínica, tristes, com os corações pesados e até mesmo com um certo sentimento de culpa. Sabíamos que estávamos sendo responsáveis pela morte daquele animalzinho querido, que nos deu tantas alegrias convivendo conosco por tantos anos, desde aquela tarde longínqua em que eu a encontrei abandonada naquela garagem de barcos.
Entramos no carro sem trocar nenhuma palavra. Quando chegamos em casa parecia que tínhamos deixado um pedaço de cada uma de nós naquele hospital. Ficou tudo tão triste sem ela, um vazio tão grande embaixo da mesinha na cozinha, onde ela viveu seus últimos dias deitada sobre aquela toalha listrada...
Mas como no circo, o espetáculo da vida também continua. E ficaram os outros três para alegrarem a nossa casa: Seu Xandico - o siamês, já com dezoito anos, o Bill e o Pelucinho, que também teriam as suas histórias de vida pra contarmos depois, e a cada partida uma saudade.

Autora: Junia - 2012

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BIL CATS                                                                                                                             
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A chama da velinha estava se apagando...

Era muito lindo, sempre foi lindo o último dos nossos bichaninhos. De raça indefinida mas com certeza procede de uma linhagem especial, com esses pelinhos enormes e macios que chamavam a atenção de qualquer pessoa que o via, menos de uma vizinha que tinha alergia e horror a qualquer tipo de felinos. Problema dela, ele estava se lixando. Ela é que não sabia que estava perdendo a amizade sincera de um animalzinho que pra alguns é chamado de falso, mas é um grande e fiel amigo de quem  também é seu amigo.
O Bill é branco com manchas pretas e quando novo era altivo e faceiro com suas pernas longas e esbeltas. Pisava macio com suas patinhas brancas que mais pareciam botinhas deslisando no chão e seu andar era elegante como o andar de um nobre de raça humana. Seus olhos muito verdes tinham um brilho especial que expressavam fielmente os seus sentimentos.
Sua vida e sua história em nossa família é muito extensa, pois Deus lhe concedeu uma longa vida de mais de dezenove anos felizes, onde nada lhe faltou, principalmente amor e carinho. Foi motivo de inúmeras postagens em vídeos e fotos nas redes sociais, onde era curtido, admirado e elogiado por sua beleza, hoje contrastando com aquela figurinha frágil de olhinhos fundos já quase sem brilho, pelos arrepiados, bracinho raspado pelo médico para aplicação de soro, o que parece lhe incomodar muito. Passa muitas horas na mesma posição, com a cabecinha pendida e já quase não se alimenta. É assim que passa as noites, apesar de eu estar sempre me levantando da cama para lhe oferecer água e fazer-lhe algum afago, ao que ele pouco reage. O diagnóstico é fatal. Está com apenas um rim funcionando, o que desencadeia uma série de insuficiências de outros órgãos que, com a sua idade avançada, não há mais o que se fazer para salvar-lhe a vida.
Nossos corações estão condoídos e não medimos esforços para ajudá-lo a ter melhor qualidade de vida nesses últimos dias entre nós, ministrando-lhe os remédios prescritos e retribuindo-lhe todo o amor que ele nos deu por quase vinte anos. Todos os dias é limpo com lencinhos de papel umedecidos e levado para perto de uma janela para pegar sol, como ele sempre fez de manhã. Ele adorava banhos de sol.
Hoje... a chama da velinha se apagou na terra e mais uma estrelinha subiu par se juntar às milhares de outras para iluminar a escuridão do espaço. Tomara que seja assim. O consolo é a gente saber que ele viveu alegre e feliz entre nós.

Autora: Junia – em 31.05.2018