quarta-feira, 16 de setembro de 2009


NUNCA DESTRUA UM NINHO

Veja o vaivém do pássaro
Construindo o ninho. Em seu biquinho
Ele traz pequenos tesouros da floresta.
Folhas secas, galhos tenros e fios de cipó
Tecem enfim, uma fofa caminha.

Nela serão guardados com carinho
Os minúsculos ovinhos,
Deles sairão novos passarinhos
De penugem feia e pegajosa,
Que os pais acharão macia e cheirosa!

Ali dormirão os filhotinhos.
E você, criança, não destrua a sua casinha!
Breve verás a beleza, a maciez e a cor das penas
Das suas asas, que logo aprenderão a voar...
Por isso, deixe-os nascer e viver.

Sempre que o pássaro volta,
Pra eles traz comidinha. Em seu peito
Arde uma chama de amor tão forte,
Que ninguém jamais deve apagar!
Não o desaponte, destruindo o seu lar.

Julgando seguro o novo lar,
O pássaro sai em busca de alimentos
Enquanto os filhos dormem. Deixe-o voltar,
Alimenta-los, beija-los,
para que à noite dormir em paz.

Se alguém desmanchar o ninho,
morrerão os passarinhos.
E será destruída uma geração inteira,
De quem tanto merecia viver...

Terá transformado em amargura a alegria do pássaro,
Que a cada dia irá definhando lentamente, até morrer.
Por isso criança, jamais destrua um ninho!

Junia - 2001

REENCONTRO

Voltando no tempo. Esta expressão sempre mexeu comigo, que com certeza sou uma saudosista incorrigível. E nada me deleita tanto como ficar parada em algum lugar quieto, olhando sei lá pra onde, fitando sei lá o quê e voando nas asas da ilusão para algum lugar do meu remoto passado. São lugares comuns, desses que cada pessoa tem os mesmos em sua memórias; escolas, casas em que viveram, igrejas onde foram batizadas ou se casaram, praças que foram testemunha de furtivos encontros de amor da adolescência. Lembranças que a gente guarda, assim como se guardam as jóias. São lembranças que só podem existir em alguém que não voltou mais a esses lugares quase sagrados, da nossa infância e juventude, povoados de pessoas muito queridas, das quais poucas ainda existem.
E um dia resolvi voltar e percorrer esses lugares, revê-los um a um, para sentir a emoção de ter voltado no tempo, como se assim pudesse ser.
Que saudade das minhas queridas professoras... Dona Ivanete, do Colégio Batista, Dona Etelvina, do Atheneu, que de tanto falar o francês, sua boca mais parecia um biquinho. Era tão boa e tão religiosa que costumava não dar notas durante a Semana Santa para não entristecer alguma aluna, com possíveis notas baixas. Como eu gostava dela! Dona Angélica, professora de latim; professor Josino e Chico Lima, de matemática. Este último, rapaz solteiro, sabia-se que despertava paixões secretas em algumas alunas. Muitas dessas pessoas queridas, amigos da família, vizinhos e parentes, infelizmente já não estão mais entre nós.
Ruas por onde eu costumava passar, praças e tantos outros lugares, já não são mais os mesmos e outros já nem existem. Outros agonizam em triste abandono. Só que em meus devaneios, eu os via alegres e movimentados como os conheci. Eram como se fossem fotografias. Pra mim eles continuavam intactos, como eu os mantinha na caixinha das minhas douradas recordações. Entrei em antigas salas de aula vazias, recordando a alegria daquelas antigas alunas, as mocinhas em seus impecáveis uniformes colegiais. O Instituto Batista de Natal, com suas meninas de saias cor de vinho e blusas brancas.., Parecia-me ouvi-las cantando o hino tradicional do colégio, “Oh IBN! Até à morte e além... Oh IBN! Teu nome ficará”. Porém o salão estava vazio, as janelas estavam fechadas e tudo ali era silêncio. Apenas um zelador esperava que eu despertasse do meu sonho para que ele fechasse as salas que gentilmente abrira para que eu entrasse. Mas tudo o que fiz foi ficar ali parada, sentindo as lágrimas brotarem dos olhos e me encharcarem o rosto numa patética expressão de desapontamento, ao me dar conta de que tudo aquilo foi há muito, muito tempo.
Também contemplei algumas antigas casas onde vivi, das quais pouco ou nada restou do que eu, em meu insensato devaneio, esperava ainda poder encontrar, pois tudo mudou. E abateu-se sobre mim uma enorme sensação de desencantamento. Desejei sentir-me como a Bela Adormecida do Bosque, que ao acordar viu despertar a sua volta toda uma vida que também dormia há cem anos, e tudo continuou a ser como antes. Só que eu não adormeci, e enquanto à distância eu envelhecia, a minha cidade a cada dia se renovava, e quase tudo o que não era novo foi transformado. Pouco reconheci do que restou da minha saudosa cidade-berço, que povoava os meus sonhos da esperança de revê-la como era, em sua beleza antiga e singela, com as suas casas de jardim na frente e quintais de muros baixos, casas amplas, de janelas e portas grandes e teimosas que o vento batia com toda a força; casas sem a beleza fria dos sofisticados apartamentos confortáveis e bem decorados dos prédios luxuosos que invadiram a minha cidade. E assim, como após a última badalada do impiedoso relógio da noite mágica de uma tola Cinderela, lentamente foram se dispersando as minhas recordações inúteis, diante da realidade. Quebrara-se o encanto.
Mas não tem importância não. As minhas lembranças, agora transformadas em caquinhos, vou recolhe-las todas, uma a uma, e coloca-las novamente na caixinha dourada, da qual só eu tenho a chave, para abri-la somente em momentos muito especiais, quando eu necessitar de um refúgio, de silêncio, de um lugar onde haja muita paz. Então eu mergulharei num sono profundo, entrarei nesse santuário perdido e voltarei àquela cidade-sonho que um dia deixei, aonde nenhuma picareta derrubou casas, nem transformou ruas e praças, nem construíu nenhum viaduto. Onde as minhas saudosas lembranças não foram apagadas nem sufocadas como o Riacho do Horto, que atravessava por baixo da Pracinha do Baldo, onde quando crianças íamos com o meu pai, sempre aos domingos pela manhã ou ao entardecer, brincar descalços na areiasinha batida, lavada pela chuva da noite, entre os cheirosos pés de capim santo, que eram tão grandes que nos escondíamos entre as suas folhas, e entrar nas águas quase geladas do riacho, que iam até os joelhos, e nós, crianças, achávamos que eram muito fundas!
Parece-me ainda sentir o cheiro que exalava daquelas águas transparentes, em cujas margens eu me deitava com o ouvido colado ao chão, para ouvir um som maravilhoso que ecoava das corredeiras como se fosse uma canção que não parava nunca: oaaa...., oaaa..., oaaa.... Meu pai nos dizia que era o canto das águas. E o som se misturava ao perfume dos verdes pés de capim-cidreira, fazendo daquele lugar um verdadeiro paraíso. Realmente éramos tão felizes e não sabíamos disso...
Hoje rodeado de matos ressecados, apenas um estreito filete de águas chora o seu triste fim, coberto pelo insensível viaduto que, em nome do progresso, tomou-lhe o direito de refletir a beleza do céu azul no espelho de suas águas, como no tempo em que ele realmente vivia, enchendo o espaço com a sua eterna canção.
Agora não há mais crianças a molhar os pés em suas águas, antes tão fartas e tão puras, mas quem sabe agora elas ainda sirvam para matar a sede de alguns velhos mendigos, que dormindo sob aquele monstro de concreto, talvez consigam amenizar a dureza de suas noites famintas sonhando com momentos felizes de suas infâncias.
E chega. Não adianta chorar. Agora voltei e vou juntar e guardar novamente as minhas lembranças nesta caixinha de saudades, antes que se dissolvam ou se evaporem em forma de nuvens. Para que de vez em quando eu possa visitar cada uma das casas da minha infância e rever as ruas daquela minha cidade-fantasma; cada uma das minhas escolas e minhas professoras; a Igreja Presbiteriana da avenida Junqueira Ayres, antes toda branquinha com janelas azuis e hoje tão diferente... O meu querido Instituto Batista, no Barro Vermelho, o único que corajosamente em quase tudo manteve a sua tradição e que me fez chorar silenciosamente de emoção, por ainda ser quase o mesmo. O inesquecível Atheneu, no bairro do Tirol, de inúmeras histórias dos meus tempos de Ginásio à tarde e Colegial à noite.
Porém a mais preciosa das minhas lembranças, a do meu adorado Riacho do Horto, agora quase morto, esse santuário imaginário que mais parecia o paraíso, ah! essa não haverá de se esvair com esta memória finita. Essa é imortal e com certeza, eu a levarei para além da eternidade.

Autor: Júnia – 01 de janeiro de 2007